Folha dupla face

Há alguns dias atrás, dia 8 de outubro, enviei uma mensagem para a Ombudsman do jornal Folha de SP criticando, dentre outras coisas, a atitude do jornal na ocasião do fechamento do blog “Falha de SP“. Segue trecho.

A Folha de SP tirou judicialmente do ar um blog (“Falha de SP“) de gênero humorístico (de gosto duvidoso ou não) com críticas ao jornal. O jornal alegou uso indevido da imagem. A Folha seguiu o mesmo receituário da “censura religiosa” ocorrida na ocasião da “publicação de charges retratando o profeta islâmico Muhammad” inicialmente publicadas na Dinamarca. Esta “Censura religiosa” foi duramente criticada em editorial de título homônimo da Folha de SP de 5 de fevereiro de 2006. Já o primeiro parágrafo dá de cara a opinião do jornal: “A publicação de charges retratando o profeta islâmico Muhammad originou ruidosa onda de ataques à liberdade de expressão na Europa que desafia fundamentos da democracia republicana.” Defende que as referidas charges transmitem críticas, que “por se filiarem ao gênero humorístico, tendem ao exagero mordaz” (não é exatamente a idéia do blog?). Continua: “Para tanto, os cartunistas [leia-se, os blogueiros] se valeram da figuração do profeta [leia-se, da Folha de SP], o que, por tratar-se de interdito religioso no islamismo [leia-se, uso indevido da imagem], ofendeu parcela dos fiéis daquela religião [leia-se, da Folha de SP]. Ou seja, o conflito se dá entre um direito que aspira à universalidade, de um lado, e uma ofensa que apenas ganha sentido dentro de um sistema religioso [leia-se, da Folha de SP], de outro. Não há dúvida de que, nesse caso, as democracias devem optar pela defesa do valor mais importante -a liberdade de expressão-, mesmo que isso signifique contrariar uma comunidade religiosa [leia-se, Folha de SP].”.

Parabéns à Folha de SP por esse atentado à liberdade de expressão tão defendida com unhas e dentes pelo jornal conforme reza a “tradição iluminista”. Isso mostra que a liberdade de expressão para o jornal depende da conveniência. Em outras palavras, liberdade de expressão é quando convém à Folha.

Entenda, cara Ombudsman, que devem ser guardadas as devidas proporções, pois a Folha não é uma religião e nem um sistema religioso. No entanto, os argumentos da defesa pela liberdade de expressão são os mesmos. E causou-me repúdio essa dupla face do jornal.

Copio abaixo o editorial.

“CENSURA RELIGIOSA

A publicação de charges retratando o profeta islâmico Muhammad originou ruidosa onda de ataques à liberdade de expressão na Europa que desafia fundamentos da democracia republicana.
Apontando ofensa ao princípio que proíbe a idolatria e, em conseqüência, a representação da imagem de seu profeta máximo, muçulmanos em diversos países defendem a censura às charges, editadas em setembro por um jornal da Dinamarca e reproduzidas por outras publicações européias nos últimos dias.
Em razão dos protestos, o editor-executivo do jornal “France Soir”, que publicou os desenhos, terminou demitido, enquanto a imprensa britânica preferiu não reproduzi-los.
Ainda que algumas das charges sejam de gosto duvidoso, não se pode acatar argumentos que levem à interdição prévia de imagens ou temas sob a justificativa de que ferem suscetibilidades desta ou daquela religião.
Na tradição iluminista, há um elenco de valores que aspiram à universalidade. Entre eles estão o direito à livre expressão de idéias e o direito à liberdade de culto. Este último é concebido como uma garantia que as Constituições modernas asseguram ao indivíduo, e não aos sistemas de crença. Sempre que a liberdade individual de culto estiver ameaçada, o Estado deve ser chamado a intervir.
Ora, no caso, não há indício de que as charges constranjam a prática religiosa dos muçulmanos naqueles países europeus. O que os desenhos transmitem são críticas -que, por se filiarem ao gênero humorístico, tendem ao exagero mordaz- ao que seus autores consideram um uso desvirtuado do islamismo por terroristas adeptos de ataques suicidas.
Para tanto, os cartunistas se valeram da figuração do profeta, o que, por tratar-se de interdito religioso no islamismo, ofendeu parcela dos fiéis daquela religião. Ou seja, o conflito se dá entre um direito que aspira à universalidade, de um lado, e uma ofensa que apenas ganha sentido dentro de um sistema religioso, de outro. Não há dúvida de que, nesse caso, as democracias devem optar pela defesa do valor mais importante -a liberdade de expressão-, mesmo que isso signifique contrariar uma comunidade religiosa.
O caso das charges evoca a sentença de morte proclamada contra o escritor Salman Rushdie como punição por sua narrativa ficcional em torno do profeta Muhammad. A “fatwa” contra Rushdie proveio da “justiça divina” do aiatolá Khomeini, então a principal liderança do Irã, que viu blasfêmia contra o islamismo na obra do autor anglo-indiano.
Não há exemplo melhor para exprimir o contraste radical que surge da comparação entre o sistema legal vigente no Irã e o das modernas democracias ocidentais. A revolução de Khomeini trouxe a religião de volta para o centro do poder temporal. A iluminista a expulsou de lá.”

Obs.: ainda não recebi resposta da Ombudsman.

Um pensamento sobre “Folha dupla face

  1. […] que o jornal impôs a um blog chamado “Falha de SP” que satiriza a publicação (vide post). O jornal nega que seja censura, justifica a atitude como defesa de sua marca. Para mim, apoia-se […]

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